Como nós que somos psicólogas terapeutas poderíamos abarcar a complexidade múltipla e infinita do universo que habita em cada pessoa?
Esse é um dos motivos de nós termos que ser um tanto quanto generalistas em nossa profissão. Pois se uma pessoa chega na terapia com uma demanda de dificuldades no relacionamento por exemplo, conforme vamos caminhando juntas, percebemos que há sempre vários atravessamentos que compõem uma determinada experiência, como ansiedade, autoestima, transtornos, atravessamentos sociais, familiares, dentre tantas… Por isso, sempre estamos estudando um pouco de tudo que cada caso que acompanhamos exige. E essa é uma das coisas que o construcionismo social mais me ajuda ao acompanhar pessoas.
O discurso Construcionismo Social compreende a pessoa como um ser biopsicossocial, permeado pela pluralidade de suas vivências em contextos sociais e a singularidade de suas construções narrativas e experienciais. Isso significa que, na busca por maneiras de compreender as próprias experiências e se localizar no mundo e na vida, as pessoas fazem constantes interpretações das suas circunstâncias, construindo significados que vão dando um contorno para as suas vivências transformando eventos à princípio neutros, em uma experiência significativa muito particular, de acordo com a forma e com o que vamos preenchendo esse evento.
Nesse sentido, compreendemos que não existe formas de determinar A VERDADE ou A COISA CERTA para coisa alguma. Pois se três pessoas vivenciarem um mesmo evento, serão três experiências diferentes, única e particular, apesar de compartilhadas, negociadas e co-construídas.
Estamos sempre atentos e sensíveis para qualquer discurso que busca se estabelecer como uma verdade absoluta. Mesmo porque, a vida é fluxo e movimento. Aquilo que era uma verdade ou útil para alguém se transforma no minuto seguinte a cada novo movimento, a cada nova vivência… OU, pelo menos é isso que a gente espera que aconteça.
Se tratando de vida, tudo que fica muito tempo parado, tende a apodrecer. Seja uma água parada, um quarto que não passa ar, um nódulo no corpo ou aspectos de cada pessoa que acabam não sendo devidamente atualizados e desenvolvidos ao longo do tempo, para atender o movimento e fluxo que a vida nos exige. Por essas e outras, em processos humanos, fica muito difícil essa ideia de capturar verdades absolutas fechadas, imóveis, petrificadas sobre o que quer que seja.
Como construcionistas, mantemos nosso compromisso com a infinidade de possibilidades de construções possíveis que são negociadas na inter-relação social. Porque a partir do momento em que percebemos que qualquer coisa é apenas “uma maneira de colocar as coisas”, também nos conscientizamos de que poderia ser de outra forma.
Quando as pessoas são capazes de ver os limites e os vieses naquilo que comumente se aceita como “a verdade sobre algo” ou “é assim mesmo como as coisas são”, elas ficam LIVRES para considerar alternativas, inclusive, de como elas GOSTARIAM que fosse, e se movimentar para isso. As maneiras como esses delineamentos acontecem moldam as experiências que as pessoas vivenciam e constroem nossas realidades micro e macrossociais.
No contexto terapêutico estamos mais interessados em mobilizar recursos potencialmente úteis na sessão, de uma forma criativa e SENSIVELMENTE RESPONSIVOS À RELAÇÃO, mais do que ideias, teorias ou verdades pré-estabelecidas. Consideramos os modelos teóricos como metáforas, ou seja, construções discursivas que CRIAMOS sobre o mundo e que não são válidas, corretas e eficazes em si mesmas (Paula-Ravagnani et al., 2017). Há infinitas formas de descrever e trabalhar com um mesmo fenômeno, que só podem fazer sentido dentro de um contexto específico envolvendo processos.
A partir de uma sensibilidade construcionista, os modelos teóricos deixaram de ser vistos como representativos do que o processo terapêutico “realmente é”, abrindo mão de uma descrição fechada sobre o que as coisas são, para serem entendidos como formas POTENTES de produzir sentidos, movimento E EXPERIÊNCIAS COM as pessoas.
Afinal, nós somos, dentre tantas coisas, também resultado das nossas experiências marcada por relacionamentos. A mudança, transformação, cura ou seja lá qual palavra ou sentido cada queira adotar, perpassa, dentre tantas coisas, o que acontece entre as pessoas, nas experiências que aquela relação terapêutica é capaz de produzir.
Compreender sobre o que aquele processo se trata, quais são as necessidades momento a momento e conseguir produzir as experiências que aquela pessoa está precisando vivenciar dentro e para além da sessão terapêutica, é um dos nossos desafios mais complexos como terapeutas.
Eaí, como essas ideias chegaram até você e para onde te levaram?
Me conta que eu vou adorar saber!