Contação
Agora que você já me contou o seu diagnóstico, agora que já sabemos a sua linguagem do amor, seu signo, suas angústias nas palavras do best Seller que você leu e adorou…
agora que já assistiu o Tik Tok que em 30 segundos falou tudo sobre você,
agora eu quero saber outras coisas também…
Diga-me quem você é com a sua poesia preferida.
Fale-me sobre seus medos com imagens que te assustam.
Descreva seus amores com os seus sentidos: a temperatura da sua bebida favorita, a cor do dia na Estação que mais te toca, a melodia de uma música que te encantou.
Expresse sua solidão em silêncios, que eu, respeitarei.
Invente outras linguagens para a gente se conhecer.
Mostre-se de quantas formas puder que eu, por minha vez, prometo responder quem você se torna para mimNo arrepio que a sua história me causa.
Na comoção que seu sofrimento me provoca.
No estranhamento ao qual sua diferença me convida.
Na alegria em te ver Florescer.
Na emoção de podermos, juntos, SER.
agora que você já me contou… me conte mais um pouco.
(Poema Pedro Martins)
Uma das coisas que me fascina ao trabalhar com pessoas, é acompanhar a multiplicidade infinita da forma como eventos se transformam em experiências significativas diversas e muito particulares.
Com o evento da terapia, não poderia ser diferente.
Sempre quando alguém que nunca vivenciou um processo terapêutico significativo pergunta sobre a terapia, fico pensando nas infinitas formas possíveis de caracterizar essa experiência, que só fará sentido de acordo com o que iremos construir e vivenciar juntos.
Como construcionistas, compreendemos o mundo a partir de uma orientação relacional, que envolve compreender que a realidade em que vivemos e o sentido de quem somos, é uma conquista social e histórica que ocorre entre as pessoas em seu cotidiano.
Por isso, no início do processo gosto de escutar sobre experiências terapêuticas anteriores, sobre o que a pessoa sente que funcionou e o que não funcionou, como se sentiu nessa vivência, o que combina mais com seu jeitão único de ser, o que te faz sentido e o que não faz… e mesmo que a pessoa nunca tenha vivenciado um processo terapêutico anteriormente, gosto de escutar sobre quais são os olhares e entendimentos que tem sobre si, dentre outras informações que vão me dando um parâmetro sobre como construir um tipo de encontro e de processo que seja sob medida, mais ajustado e encaixadinho com aquela pessoa ou casal especificamente, que será sempre único com suas particularidades.
E ao longo do processo buscamos sempre tentar elaborar e compreender o que estamos fazendo juntos, avaliando cada passo na medida em que o processo se desenrola.
Conforme vamos conseguindo ir nos encaixando numa justa medida, de acordo com os argumentos que vão surgindo no processo, coisas importantes começam a acontecer…
Mas esse acontecer não pode ser totalmente controlado deliberadamente.
É claro que nós, como especialistas do processo, estamos constantemente nos dedicando a um preparo teórico, técnico, intuitivo e estético de modo que possamos criar um ambiente e espaço favorável para que o desenrolar do processo aconteça.
Porém, assim como tudo na vida, tem coisas que nos escapam, nos capturam, nos atravessam e nos transformam sem que possamos controlar totalmente. Não temos como controlar a vida, o tempo, a reação das pessoas, o que sentimos, o que vai acontecer no próximo instante… mas apesar de não podermos controlar como as ondas do mar acontecem, por exemplo, podemos aprender a surfar e navegar com elas.
É nesse navegar radical em mar aberto que esses acontecimentos emergem de forma sempre surpreendente… No cisco das coisas…
E isso o relógio não marca, não diz quando acontecerá.
Às vezes, elegemos alguns objetivos no início do processo e as pessoas perseguem aquele desejo de mudança como alguém que pula em uma piscina perseguindo uma bola de plástico. Se angustiam, ficam ansiosas se perguntando quando essa mudança vai acontecer? Quando tudo vai mudar? Quando obterei esse resultado?
E quanto mais desesperadamente se movimentam para tentar agarrar aquela bola à força e o mais rápido possível, mais a bola se afasta com o movimento da água.
Somente quando as pessoas topam abrir mão do controle, momentaneamente, e se abrir para viver outras coisas no processo, de peito aberto mesmo… aprender a nadar de outras formas, percorrer outros caminhos, se entender ali naquela água, aprender o momento de boiar para descansar, sentir a temperatura, sensações e o que esse contato provoca, fazer outras coisas ali naquela água… percebemos que coisas importantes começam a acontecer.
E quando a pessoa menos espera, ali distraída, naturalmente a bola se aproxima dela. De alguma forma, a pessoa sente que algo mudou… talvez até diferente daquela expectativa inicial, mas sente que algo encaixou, sabe? Nem que seja por aprender a se relacionar melhor com algumas faltas, frustrações e com a própria vida.
É a diferenciação que fazemos entre o foco no resultado versus o foco no processo. Ao vivenciarmos processos, os próprios objetivos iniciais muitas vezes se dissolvem, perdem importância, se desenrolam e se transformam para alguma outra coisa. Eu boto muita fé nesses processos, porque acompanho essas coisas acontecerem diariamente na vida das pessoas.
Por essas e outras, no trabalho clínico, nós como psicólogas e terapeutas precisamos o – tempo – todo “se a ver” com a impermanência e a indiscernibilidade inerente aos encontros humanos e a vida. De modo que possamos sustentar um certo caos produtivo que acontece na experiência terapêutica. E quem topa vivenciar esse processo, precisará estar aberto a isso também.
Sabe quando a gente era pequenos, tínhamos acabado de almoçar e queríamos entrar logo no mar… vocês também ouviam aquela frase?
“Brinca que o tempo flui”.
Eu vejo processos um pouco dessa forma também… não tem como a gente querer acelerar a digestão e quanto mais focados nisso, mais longo parece o tempo. Viver o processo, de corpo inteiro, comprometida consigo mesma e com a própria vida, desfrutando das vivências que vão surgindo de maneira acolhedora e conectada com as coisas que mais nos importam, me parece nossa melhor aposta em processos humanos.
Eaí minha gente bonita, como você contaria o que tem se tornado o processo terapêutico para você?
Me conta que eu vou adorar saber.